星期一, 1月 29, 2007

Paul Chan Wai Chi: Atrás da luz

Atrás da luz

Hoje Macau 26-01-2007

Paul Chan Wai Chi

Macau já regressou à China há mais de sete anos e a cidade parece viver em prosperidade e estabilidade, pelo menos à superfície. A cidade está em ordem, segura e não há registos de crimes graves. No plano económico, as receitas fiscais do Governo aumentam a um ritmo constante, um claro benefício da liberalização do sector do Jogo e da implementação da política de atribuição do visto individual de turismo a cidadãos chineses. Com estes desenvolvimentos políticos, Macau deveria, no mínimo, estar a usufruir de uma harmonia cabal. A verdade, no entanto, é outra. Ao mesmo tempo que a economia explode, a sociedade está impregnada com um mau estar tremendo, um ressentimento dos residentes face a um Governo que descobriram ser corrupto. O prestígio do Governo e a confiança que a população neste deposita estão a cair em vez de subir, a popularidade dos governantes está em declínio e a Administração entrou em crise. Por que é que isto está a acontecer? A resposta é simples: os governantes escondem-se nas sombras da luz.

Atrás da luz está sempre escuro. As lojas situadas no local onde está a ser construído o projecto Ponte 16, no Porto Interior, estavam a ser escondidas pelo empreendedor, levando as pessoas a ficarem muito cépticas em relação ao princípio do cumprimento da lei. Será que os governantes que aprovaram este projecto querem mesmo servir o público? A quem é que se deve apontar o dedo pelos motivos que levam estes lojistas a sair para a rua em protesto? Quando Ao Man Long, o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, respondeu às interpelações dos deputados sobre os fenómenos anormais registados na área administrativa, ele explicou que tudo estava a ser feito cumprindo religiosamente a letra da lei. Afinal, as pessoas brincam com a lei de forma a obter benefícios próprios. O Farol da Guia não parou de emitir a sua luz com a transição de poderes, em 1999. Mas, se olharmos com cuidado para as suas redondezas, descobrimos que a sociedade de Macau, sob o manto do chamado desenvolvimento, tem passado por inúmeras mudanças. Essas mudanças, porém, são em proveito sobretudo dos investidores privados e muitas têm criado danos permanentes a Macau e aos seus cidadãos. Os danos de algumas não são ainda visíveis, mas tal não deve tardar. Este tipo de desenvolvimento, que em tudo faz lembrar o provérbio “matar o ganso que põe os ovos de ouro”, não é o de que Macau necessita.Tomemos o Farol e Fortaleza da Guia como exemplo. Durante a administração portuguesa, o Governo trabalhou activamente para a preservação da arquitectura portuguesa de Macau, algo que sempre nos mereceu todos os aplausos. Nos inícios da RAEM, os trabalhos de preservação foram mantidos a um ritmo semelhante ao de antes de 1999. Mas quando Macau começou a conhecer o seu rápido desenvolvimento económico, e o mercado imobiliário simplesmente explodiu, estranhou-se que muitas das terras há tempos concessionadas para construção permanecessem virgens. Percebe-se, agora, porquê. Aquilo que deveriam ser projectos de prédios de altura baixa ou média estão agora a transformar-se em projectos de arranha-céus. Tudo, claro, para maximizar o lucro. Isto, claro, é compreensível se apenas levarmos em conta os interesses dos investidores. No entanto, os departamentos do Governo envolvidos nesta matéria, nomeadamente a DSSOPT e o Instituto Cultural, deveriam seguir os seus próprios princípios e manter bem delineados os seus limites. Até agora, o que têm mostrado é uma vontade cega de agradar aos construtores, deixando-os destruir os recursos culturais – incomensuráveis – de Macau. Esta é uma atitude que não pode ser tolerada.

Nos últimos dias, os residentes dos prédios vizinhos à Colina da Guia e das ruas que dali partem viram-se forçados a protestar activamente contra a construção de arranha-céus na zona. Os moradores acham que a construção não só afectará a sua qualidade de vida como também ameaça a existência do Farol tal como esta é conhecida. Perdem também uma paisagem fabulosa, que certamente levaram em conta quando adquiriram os seus imóveis. Aqui, a situação é ainda pior do a que está a registar-se do outro lado, na Avenida Rodrigo Rodrigues, onde o Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM está a construir, também no sopé da Colina, o seu próprio gigante. O Governo não pode esconder a sua responsabilidade, é ele o responsável pelo descontentamento destas gentes. Durante anos a fio, as construções junto à Colina da Guia eram rigorosamente estudadas antes de autorizadas e não se permitiam projectos deste género. Para além disso, em respeito pela lei, essas construções eram uma realização humanista, integradas no espaço pelo uso e pela prática. Adoptadas pelas pessoas. Por causa da Colina da Guia e do que esta representa, prédios como o Kam Long Kuok, na Calçada da Vitória, e o View Mansion, foram construídos, já depois do Handover, com limites de altura impostos pelas autoridades, 17 e 13 andares respectivamente. Como não taparam as vistas nem ameaçaram a integridade da Colina, os residentes, a população, não se manifestou contra. O que está agora em causa é a construção, na Estrada do Visconde de São Januário e na Calçada do Gaio, de prédios com mais de cem metros de altura. O que ficará na esquina das duas artérias até já é o produto de uma mudança, autorizada pelo Governo, no plano do prédio, na qual lhe foi acrescentada… altura, muita altura. Apesar de estarem fora da zona tampão, a verdade é que vão simplesmente cortar a linha de visão directa de uma parte significativa da cidade para a Colina e para o seu Farol.

No passado, as decisões relativas aos trabalhos de construção funcionavam bem e eram conhecidas do público. Respeitavam as regras, algo que, depois do Handover, começou a ser secundário, muito secundário. Quer tenham sido implementadas pelos portugueses quer pelos chineses, a verdade é que as políticas de conservação das nossas relíquias culturais não deveriam ignorar as regras. O Património Cultural de Macau pertence às gentes de Macau e não a qualquer grupo de interesses. Edmund Ho, por um lado, afirma que é necessário desenvolver as indústrias culturais, os seus subordinados, por outro, continuam a destruir os recursos que a estas alimentariam. Sinceramente, não sei se isto é motivo de alegria ou de choro.

Se o Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM aprecia o esforço que o Governo Central levou a cabo para incluir o Património de Macau na sua proposta de classificação à Unesco, a verdade é que deveria emendar a mão, revendo voluntariamente a altura do edifício que pretende construir e não fazer absolutamente nada que ponha em perigo os interesses dos cidadãos de Macau. Se o Governo está verdadeiramente empenhado em servir os seus cidadãos, deveria começar a certificar-se que o desenvolvimento das áreas vizinhas do Património Cultural seja regulado pelas velhas práticas.

Por favor, não se esqueçam: No dia em que a luz do Farol da Guia ficar bloqueada, Macau mergulhará no escuro.


*Presidente da Associação Novo Macau Democrático

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