星期三, 1月 31, 2007

Hoje Macau: Gabinete de Ligação cede a pressões para rever altura da torre no sopé do Monte da Guia

Gabinete de Ligação cede a pressões para rever altura da torre no sopé do Monte da Guia

Hoje Macau 30-01-2007

Salvo?

Carlos Picassinos
Island Ian --

A torre de 99.9 metros actualmente em construção no sopé do Monte da Guia vai afinal ser mais baixa. O anúncio foi ontem feito pelo proprietário da obra, o Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM, que garantiu não prejudicar a paisagem e o valor do conjunto patrimonial do farol e da fortaleza classificado pela Unesco Património Mundial, e que nos últimos meses suscitou uma onda de protesto entre associações, moradores e profissionais. As reacções oscilam entre a congratulação e a reserva. Que o caso sirva para memória futura é a expectativa geral.

O Gabinete de Ligação tomou esta decisão na sequência de conversações mantidas com responsáveis do Governo da RAEM, e com base em critérios como a sensibilidade da população de Macau e altura máxima do Monte da Guia, afirmou o organismo em comunicado.

“O Gabinete pretende cumprir as prescrições da Lei Básica de Macau e a legislação emanada pelo Governo da RAEM e tomar em atenção as expectativas e respostas da sociedade, auscultar a voz dos cidadãos e obedecer aos planos e a coordenação do Executivo da RAEM”, lê-se no documento.

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Ontem, ao longo do dia, as reacções a este anúncio do Gabinete de Ligação foram-se sucedendo. Uma das mais significativas partiu da Associação para a Protecção do Património Histórico e Cultural de Macau (APPHCM), a primeira entidade que, publicamente, denunciou o caso, e que ontem aplaudiu a decisão com reticências. “Depois de ler o anúncio do Gabinete de Ligação em que se sublinha a importância de dar explicações e de investigações científicas” no planeamento da cidade, começou, ontem, por dizer, o presidente da direcção, Cheang Kok Keong. Depois de ter saudado o Gabinete por ceder à argumentação pública contra a torre em construção, Cheong fez notar que o Governo “não tem recorrido a nenhum critério científico nos estudos sobre a protecção do património mundial de Macau”. Nem sobre o património, nem sobre o planeamento urbano, acusou o dirigente, “o que está na origem dos caos recentes de corrupção”.

Por outro lado, Cheong lembrou que o Gabinete disse estar “em coordenação com as leis e os regulamentos do Governo em matéria de planeamento, embora saibamos”, frisou, “que o Governo tem de aperfeiçoar a legislação”. O historiador aproveitou a deixa para pressionar o Chefe do Executivo recordando que o lugar deixado vago por Ao Man Long ainda não foi preenchido e que Edmund Ho “tem de nomear alguém rapidamente para resolver todas estas questões relacionadas com as Obras Públicas”. Para Chan Su Weng, também dirigente desta associação, “o Governo agora fica obrigado a acompanhar todos os projectos em construção de maneira a verificar que não ultrapassam em altura o Farol da Guia”. “De facto, o que agora foi anunciado pode servir de critério de protecção para os sítios e monumentos classificados como património”. A associação vai mais longe e pede que o Chefe do Executivo recupere os Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Praia Grande e o plano de Intervenção Urbanística dos Novos Aterros do Porto Exterior que tinha revogado, por despacho, no fim do Verão passado. Isto de modo a regular a altura dos edifícios naquelas zonas e a proteger as zonas classificadas. “Não devemos apenas proteger o Farol. Estamos obrigados a defender as características únicas de Macau que estão na base de um desenvolvimento sustentável”.

Lei, estudos, debate

O argumentário utilizado pelos historiadores é o mesmo a que recorrem os arquitectos Vizeu Pinheiro, um dos principais responsáveis da candidatura de Macau a património da Unesco, e Mário Duque. Ao Hoje Macau, ambos reivindicam legislação regulamentar destas zonas para evitar um novo caso como o das torres. “Se não, vamos estar sempre a apagar fogos, e estaremos sempre à defesa em vez de termos uma posição activa e de cooperação no planeamento da cidade”, alerta Vizeu Pinheiro.

“O que é preciso é um plano de salvaguarda individual para aquela área. Claro que a situação merecia preocupação em termos de cidadania e em termos profissionais. Mas é vital um plano de salvaguarda para todos os edifícios porque esta é apenas uma medida de contenção que satisfaz, é isso, satisfaz”, vocifera Mário Duque. “Isto não foi mais do que atender a um pedido. Agora o que é necessário é um instrumento que garanta um regime de salvaguarda que ali não existe”. Em resumo, “o problema é que o planeamento resolve-se com este tipo de decisões avulsas, e neste momento as coisas já não podem funcionar assim”. Mais do que leis, Rui Leão, membro da direcção da Associação de Arquitectos, em termos pessoais, considera necessários também um estudo de impacto que fundamente legislação posterior porque “esta questão não se resolve apenas com um anúncio”. Leão admite que foi “muito bom que se tenha feito esta concessão, mas seria importante que se estudassem aquelas volumetrias, o conjunto do farol, da fortaleza e do monte”, pontualiza. “É preciso avaliar o impacto destas construções numa zona que é o pulmão da cidade. Há uma população que vive aquele espaço como um espaço lúdico da cidade, que vai para ali correr, que goza de vista, iluminação, respiração”. E, finalmente, é preciso discutir: “um debate aberto e profissional porque parte da população é sensível a estes problemas que são fundamentais para a sustentabilidade da cidade”.

Do ponto de vista cívico, há quem considere esta marcha atrás como uma vitória da sociedade civil. “Foi um momento positivo da população de Macau que soube erguer a voz, ao contrário do que acontece na China”, diz ao Hoje Macau um artista plástico que esteva na origem da circulação de um texto na internet que alerta para esta polémica das torres. “Penso que fica demonstrado que a cidade é muito sensível ao seu património, não importa se é chinês, português, alemão ou australiano, o que é importante é que deve ser protegido. Existe agora uma consciência para estas questões”. “Houve pessoas na rua a manifestarem-se, dísticos pendurados nas casas. Foi uma afirmação da cidade”, diz ainda Leão ao Hoje Macau.

Torre baixa, quanto?

Se a torre já não terá 99,9 metros de altura, quão alta será ainda ninguém sabe. Isso mesmo destaca Paul Chan Wai Chi, presidente da Associação Novo Macau Democrático, que, na reacção ao anúncio do Gabinete de Ligação, saudou a iniciativa mas lançou novo quesito. “O Gabinete não divulgou qual será a nova altura da torre e, por isso, vamos continuar a fiscalizar a obra” porque, salienta, “isto não significou qualquer vitória, tão somente a vontade do público”. O Democrata diz-se ainda preocupado com a construção de um edifício na Calçada do Gaio – com 126 metros de altura, localizado atrás do Farol, - e que na semana passada motivou a manifestação de rua de alguns moradores. Ao coro de vozes juntou-se também o recém-eleito presidente da União das Associações de Moaradores (Kaifong), Leong Heng Teng. “Espero que este caso possa servir de exemplo aos empreiteiros na RAEM”, ressalvou ao Hoje Macau. “E considerando a reacção do público ao que se passou agora é preciso tomar em atenção se não vai haver outro projecto que ultrapasse, em altura, o Farol da Guia”. O presidente dos Kaifong pisca o olho à relação institucional entre o Governo da RAEM e o Gabinete de Ligação que, disse, “correspondeu às expectativas do público”.

Blog e campanha

Na edição de ontem, o jornal de língua inglesa Macau Post revelou a constituição de uma Associação de Protecção do Farol da Guia cujos membros, que não revelaram a identidade, terão já enviado a título individual uma petição à UNESCO sublinhando os riscos de construção “desequilibrada” de edifícios em altura junto ao Monte da Guia. Em termos institucionais, a nova associação pretende ainda não apenas invocar a intervenção da Unesco, mas também sensibilizar a Administração Nacional do Património Cultural, em Pequim, através de uma outra petição, para o problema da preservação daquele conjunto patrimonial. Medidas pensadas no âmbito de uma campanha, “uma pessoa, uma carta” a desenvolver junto da Unesco e do Governo chinês.

De acordo com o jornal, a nova associação conta com quinze membros, entre arquitectos, historiadores e engenheiros que criaram o blog, intitulado “Salvem a Paisagem do Farol da Guia”, em www.guialighthouse.blogspot.com. Dizem os responsáveis pela associação que pretendem, a propósito desta controvérsia, organizar debates públicos, exposições, alertando para a proliferação de edifícios em altura junto a monumentos e sítios classificados. O jornal de língua inglesa cita ainda um dos membros desta associação, que pediu o anonimato, considerando que “sem participação e consulta pública, a cidade vai transformar-se numa vítima do desenvolvimento oportunista”.

Na semana passada, em véspera da tomada da decisão do Gabinete de Ligação, um grupo de arquitectos e urbanistas chineses entregou uma carta aberta ao Chefe do Executivo pedindo uma tomada de posição sobre as torres da Guia e maior sensibilidade do Governo para as questões do património.

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