星期一, 1月 29, 2007

Helder Fernando: O Farol

O Farol

Hoje Macau 23-01-2007

Helder Fernando

No alto da Guia, aquele pestanejar dolente, há que anos enfraquecido, já de luz fraca e amarelada por ordem superior, mas com a importância da História e a dignidade dos faróis de vigia, foi condenado e corre o risco de apagão.Claro que o Farol da Guia, em Macau, há muitos anos que é um símbolo. Mas não “apenas” porque esse símbolo também representa um sonho – o sonho das gentes. Quando, por cá, as suas gentes tinham alguns sonhos antes das realidades tão mais luminosas se erguerem, menos irradiantes do que toda a simbologia do farol macaense, embora muito mais vingativas que São Cipriano quando terá guardado o Sol.

Farol apagado é uma infracção. É a memória antecipadamente decepada. É Alexandria às escuras. Porque um farol, além da história, projecta o futuro.

Qualquer um de nós já imaginou possuir um farol só seu, eu também já tive um só para mim. Nele desejei navegar rios e oceanos, talvez rumando ao mesmo lugar de partida, talvez partindo para todos os lugares de chegada. A bordo do meu farol estilhacei dificuldades sem molhar o pavio e sem romper o casco. Só que um farol não navega. Estará o nosso Farol da Guia prestes a ser virado para dentro? Será mais uma quase ilha sem farol? Será esta luz da paz que, atavicamente, irão cegar?

Não é somente aquele pedaço de História com mais de três séculos, erguido no então ponto mais alto de Macau, que se propõem abafar. Ali está, ainda palpável, uma fortaleza (da Guia) adaptada às condições algo irregulares da Colina, tal como a bem recuperada ermida (de Nossa Senhora da Guia, construída, juntamente com a fortaleza e mais uns túneis subterrâneos, quase dois séculos antes de ser erguido o farol), sendo, naturalmente, o farol, o primeiro do Extremo Oriente, o seu elemento mais visível, cuja localização, 113º 55” Leste e 21º 11” Norte, foi adoptada e ainda hoje se mantém como as coordenadas geográficas oficiais de Macau. Tudo na lista da UNESCO sobre Património Mundial. E é tudo isto que alguns burocratas da política parece menosprezaram, tendo sido necessária a movimentação popular de alguns círculos para alguém mandar parar para que alguém pense. Só os arribados, do novo riquismo cego e de várias proveniências, não sabem.Os faróis deviam ser os monumentos mais venerados por todos. Pelos velhos de todos os faróis e pelos novos que também se propõem iluminar o futuro. E que futuro à porta, se estão desnecessariamente a escangalhar o passado, poluindo lugares e percursos?

A luz, vigilante e guia, de um farol aceso, lá do alto, em movimento contínuo, lembra-nos os sonhos partilhados. Também por isso devemos ser ainda mais vigilantes que o ameaçado farol vigilante – que é História e objecto, realidade e símbolo. De Macau.

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